sexta-feira, 29 de abril de 2011

Deportação stalinista de 1944

A deportação stalinista de 1944.

A verdadeira história da deportação é desconhecida pela maioria da população da Rússia e associada a vários mitos e rumores sobre a colaboração dos povos deportados com o exército nazista.

Com o fim do império russo, em 1917, no Cáucaso Setentrional foi formada a Republica Montanhense, que, seguindo as declarações do governo bolchevique sobre a autodeterminação nacional, proclamou sua independência. Inicialmente, os bolcheviques, preocupados com a manutenção de seu poder, apoiaram a independência do Cáucaso, mas, a partir de 1924, quando a URSS foi formada e surgiu a necessidade de delimitar as fronteiras do país almejando a preservação do território conquistado outrora pelo império russo, surgiu o conflito que se tornara permanente. Este conflito que levou a vários levantes armados contra as forças do exército vermelho e da KGB enviadas para a região1 se acentuou com a implantação de processos de coletivização e de industrialização na região.

Os levantes da população contra o governo soviético continuaram após o começo da Segunda Guerra Mundial e foram apresentados à população da URSS como a colaboração com o exército nazista. Esta versão foi aceita, desde que a resistência armada existente na região a partir de 1917, em prol da independência e contra a coletivização, fora abafada e desconhecida pela maioria de cidadãos soviéticos.

Em 1944, por ordem de Stalin, acusados de traição, foram deportados: chechenos, inguches, karatchai, kalmyks, balkary e tártaros da Crimeia. Oficialmente, foram deportados 500.000 chechenos e inguches.

Em 23 fevereiro de 1944, os chechenos e os inguches foram, à força, colocados nos trens e levados para o Cazaquistão e para a Ásia Central; a República Chechênia-Inguchétia foi apagada do mapa da URSS4. Aqueles que resistiram foram executados.
A história da deportação durante muitos anos permaneceu desconhecida devido à censura vigente na URSS. As publicações posteriores ao fim da URSS revelam que, por exemplo, na vila Khaibakh, na Chechênia, todos os moradores, 200 pessoas (ou entre 600 e 700 segundo outros depoimentos), foram queimados dentro de um estábulo. Quem tentou fugir foi fuzilado. Também foram fuzilados os moradores das vilas vizinhas. Quase metade de deportados faleceu durante a transportação nos trens, devido às condições desumanas, a ausência de alimentação e de água, e ao frio.

Um pequeno número de pessoas conseguiu fugir para as montanhas antes de forem levados aos trens e, formando uma guerrilha, durante décadas lutou contra os representantes do poder central.

Moradores de outras regiões da URSS foram levados para as terras que outrora foram habitadas pelas populações deportadas: processo que gerou inúmeros conflitos descritos, por exemplo, no livro do escritor Anatóliy Pristávkin "Adormecia uma nuvem dourada".

Os povos deportados começaram a recuperar seus direitos após a morte de Stalin, em 1954, quando foi restituída a República Chechênia-Inguchétia e foi permitido o retorno de deportados para seus antigos locais de moradia. No entanto, o retorno para a terra natal e a reabilitação das comunidades encontraram diversos obstáculos, como uma economia local desestruturada, desemprego crônico e um território ocupado por moradores provindos de outras regiões. República Chechênia-Inguchétia, dentro da URSS, apresentava os maiores índices de desemprego e menores índices de educação, para citar alguns dos problemas.

Como surge "Chechênia" - Colonização do Cáucaso pelo império russo no séc. XIX

“Chechenos” é o nome atribuído a uma parte de habitantes do Cáucaso Setentrional pelos russos e provém do nome de uma das primeiras aldeias que enfrentaram o exército imperial durante a colonização do Cáucaso, Chechen-Aul.
Os chechenos e os inguches se autodenominam vainakhi, o que significa “nosso povo”, ou nokhtchi.
A colonização do Cáucaso pelo império russo, foi e continua sendo nomeada em manuais de história da Rússia de “pacificação” de populações bárbaras. Um breve histórico desta “pacificação” fala por si só.
Não há números exatos de mortos durante a guerra colonial no Cáucaso (1816-1864), mas levando em consideração as práticas usadas pelos generais do exército imperial, supõe-se que os habitantes da região do Cáucaso setentrional foram dizimados. Estas práticas incluíam a queima de aldeamentos inteiros, juntamente com seus moradores, a queima de colheitas, sujeitando a população à fome, e o desmatamento de grandes áreas usadas para a caça e para a preparação de estoques de lenha para os invernos rigorosos.
Este primeiro genocídio foi denunciado amplamente pelos sobreviventes das populações exterminadas, que fugiram para a Turquia ou outros países, e também por algumas figuras importantes da Rússia, como o escritor Liev Tolstoi.
Uma das conseqüências mais notórias do processo colonizatório foi a destruição de uma estrutura social existente entre os vainakhi, que se distinguiam de outros habitantes da região pela forma de organização social, onde, não possuindo nem Estado, nem governo central, as decisões sobre todas as questões importantes para a comunidade de moradores eram tomadas coletivamente, e o órgão mais respeitado nestas decisões era representado pelo conselho de anciões. Outra característica importante era a propriedade coletiva sobre a terra, os bosques e as águas. Cada vila ou aldeia, que geralmente agregava uma grande família, formava seu conselho; o conjunto de conselhos formava, por sua vez, um conselho maior, e somente no caso de uma guerra, escolhia-se um líder (como aconteceu durante a resistência à colonização no século XIX).
Como conseqüência da colonização, uma forma de organização social (a gestão das comunidades por meio de conselhos) começou a ser substituída por outra (chariá islâmica), ou seja, um modo de vida existente durante vários séculos foi rapidamente destruído e substituído por um outro, que trouxe consigo a estratificação social, a urbanização e o surgimento da noção de etnicidade, levando mais tarde à formação de um Estado-nação. Diferentemente de outros povos do Cáucaso que foram exterminados durante a colonização, chechenos sobreviveram e resistiram ao exército imperial bravamente, entrando, a partir daquele momento, no imaginário da população da Rússia como “inimigos ferozes” e “montanheses indomáveis”. Esta imagem fora propagada através de ampla produção artística sobre o assunto no século XIX. Os livros escritos pelos historiadores na Rússia apresentavam o processo de colonização como uma guerra justa e como um processo civilizatório de populações bárbaras, carentes de cultura, de higiene, de racionalidade, etc.: reafirmando um discurso comum a todas as potências colonizadoras e, ao mesmo tempo, formando a percepção negativa e deficiente dos povos colonizados.
Com o extermínio de grande parcela da população, longo período de enfrentamento armado e consequente desestruturação social, e, também, devido a onda migratória de populações do Cáucaso setentrional para o império otomano, a religiosidade anímica e o direito adat (forma de solução de conflitos operante entre os vainakhi, embasada em princípios pré-definidos pelos anciões) foram gradualmente substituídos pelo direito islâmico (chariá) e grande parte de habitantes daquela região se tornou muçulmana. Dentre várias orientações filosóficas e políticas existentes no islamismo a preferência, inicialmente, foi dada ao sufismo e ao.
O Cáucaso Setentrional passou a ser dividido em unidades administrativas dentro do império russo associadas à “nacionalidade” ou à “etnia” de seus moradores. Surgem, assim, a partir do século XIX, os chechenos, os inguches, os karatchai, os balkary, os tcherkessy e os kabarda, identidades, hoje em dia, reivindicadas pelos próprios moradores da região e relacionadas às exigências de independência política.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Relembrando Beslan

Quem assassinou nossas crianças?
Carta aberta de moradores de Beslan aos cidadãos da Rússia.

Em 1 de setembro de 2004, nós, moradores de Beslan, levamos nossos filhos, nossas esposas, nossos esposos, nossos irmãos e irmãs, todos felizes e saudáveis, à escola. Lá, os desumanos bípedes os torturaram durante três dias, depois os despedaçaram e os queimaram. Passaram oito meses desde o dia de morte de 332 pessoas inocentes. Entre os mortos – 185 crianças. Isto se tornou o drama nacional da pequena Ossétia.

Nós, cidadãos da Rússia, não conseguimos entender a quem nossas crianças mortas e aleijadas devem agradecer por esta “infância feliz”: a Gorbatchiov, a Ieltsin, a Putin ou ao sábio governo republicano? Não há culpados! Nos convencem esperar pelos resultados da investigação da comissão parlamentar, mas as datas da divulgação destes resultados mudam a cada dia. No entanto, julgando pelos resultados preliminares, publicados na mídia, já percebemos que esta comissão também é um artifício do poder: ela nunca nomeara outros culpados pelo crime, além dos terroristas.

E as questões ao governo federal e ao republicano são muitas. Mas é inútil fazê-las, pois a mentira se tornou banal em nosso país. Mentira sobre a quantidade de reféns(1) e mentira sobre a ausência de exigências de terroristas (2). Porque eles todos não responderem uma pergunta: quantos terroristas morreram em decorrência de uso de lança-chamas Chmel e quantos reféns feridos morreram queimados, sem conseguir sair da escola após as explosões? E então poderemos perguntar: contra quem foram usadas as lança-chamas Chmel, o armamento pesado, os tanques e, em geral, - PARA QUE?(3)

Mas a pergunta principal é sobre as explosões na escola. Porque, por causa de quem, pela ordem de quem, por qual causa aconteceram as primeiras duas explosões dentro do prédio que provocaram a operação militar de resgate e que levaram a vida de tantos reféns.

Não nos deixam dormir tranquilos as declarações de infanticida terrorista N.Kulaev (4) e do presidente da Ossétia do Norte Dzasokhov. Kulaev foi testemunha da última conversa do líder dos terroristas pelo celular: “Fora de si de raiva, ele berrou Não fiz nada. O atirador da elite de vocês matou meu homem que estava no botão5. Depois, ele atirou o celular no chão e o quebrou”. Não pensamos que se o próprio terrorista tivesse feito a explosão, ele estaria negando isto. Ele devia ter compreendido que agora irão todos para o “paraíso maldito” deles.

Os reféns que estavam na escola também perceberam que a explosão foi uma surpresa para os terroristas. No mesmo momento, uma parte de terroristas estava no refeitório se preparando para o almoço, e, justamente neste momento, os cadáveres de reféns assassinados anteriormente estavam sendo recolhidos na rua.

Em seu depoimento, o presidente da Ossétia do Norte, Dzasokhov, declarou que, em 3 de setembro de 2004, ele conseguiu um acordo com Maskhadov (presidente da Chechênia naquela época), de que dentro de duas horas um corredor estaria aberto para que Maskhadov pudesse vir a Beslan e participar das negociações com os terroristas. Mesmo fato foi declarado perante o povo de Beslan na manhã daquele dia. Ele havia dito que figuras novas entraram no processo de negociações e que tudo seria feito para a libertação dos reféns e que não haverá operação militar de resgate. Mas, passada um hora após esta promessa ao povo de Beslan, aconteceram as duas explosões e começou a assim chamada “operação militar forçada”.

Quem interrompeu as negociações que haviam começado entre Maskhadov e os terroristas? Quem se deu o direito de “detonar”(6) os terroristas na escola junto com as crianças? Quem se deu o direito de tirar a vida de tantas pessoas?

Quaisquer que seja seu cargo e quaisquer que sejam as ideias com as quais ele se cobre, esta pessoa é criminosa.

Quem saiu ganhando após o terror acontecido em nossa casa?

Quem foi deixado em paz, em relação à guerra na Chechênia, pela comunidade internacional entorpecida com o terror sucedido em Beslan?

Nenhuma comissão parlamentar nomeará os culpados pelas explosões na escola, pelo menos durante a vigência do governo atual. Principalmente, porque o chefe da comissão Torchin afirmou mais de uma vez em entrevistas que não é o objetivo da comissão procurar pelos culpados. Então, a comissão parlamentar também é um artifício do poder.

A verdade, provavelmente, nunca será conhecida, pois é o segredo do Estado da Rússia para o resto da história. Esta verdade sobre o resgate de pessoas nenhum povo nunca compreenderá, independentemente do regime político.

Mas nós começamos a compreender a aterrorizante e impensável verdade sobre a morte de nossos parentes. Nos abriram os olhos sobre a vida em nosso país, onde nossas crianças tiveram a “sorte” de viver.
O que faremos agora? Como viveremos?

Devido ao exposto acima, pensamos que seja provável a versão sobre o assassinato premeditado do terrorista que vigiava o botão dos explosivos para provocar as explosões (segundo os relatos de alguns reféns, o terrorista que cuidava do botão caiu para o lado, após o que sucedeu a explosão).

Aqueles que fizeram isto, compreendiam perfeitamente que, em decorrência das explosões, as vítimas serão muitas, mas a operação militar poderá ser nomeada de “forçada” e “espontânea”. Esta mentira irá se tornar um álibi para as pessoas que tomaram a decisão sobre a operação militar, cujo objetivo principal foi o extermínio de terroristas, ao invés da libertação de reféns. Não conseguimos entender, quem tinha o direito de tomar a decisão sobre a operação militar e tirar a vida de tantas pessoas.

Judicialmente, existe a categoria de uma “necessidade extrema”, quando uma ação é empreendida para evitar os danos maiores. Na mídia nos dizem, desde o início da tragedia, que se o governo federal iniciasse as negociações com os terroristas, a Rússia inteira iria se desfazer. Ou seja, para o poder surgiu a tal “necessidade extrema” da operação militar que levou a vida de 332 reféns, para que os danos maiores, o despedaçamento da Rússia, pudessem ser evitados

Mas, talvez, uma terceira opção, excluindo o assassinato das crianças ou o despedaçamento da Rússia, pudesse existir? Se, por exemplo, tentassem usar a sabedoria, a inteligência, ou, pelo menos, a esperteza? E no mais, pensando no valor da vida humana e no fato de que a vida só nos é dada uma única vez, talvez valesse a pena considerar as peculiaridades de cada ato terrorista: a quantidade de reféns, a possibilidade de negociações para não permitir a morte de centenas de pessoas inocentes, de famílias inteiras.

Como isto foi permitido, a razão não consegue compreender. Em qual outro país isto seria possível? É fácil manter os princípios e ser corajoso estando longe da gente, na capital da Rússia, pagando com as vidas de nossos filhos.

Também não excluímos as acusações contra o governo republicano que ironicamente responde nossas perguntas: “Agora todos sabem como deveríamos proceder!”

Sim, mas aqueles que almejam ser presidentes do país ou da república, devem se distinguir da massa pela rapidez de pensamento, pela faculdade de cometer atos extraordinários.

E se vocês têm o mesmo intelecto ordinário, comum a maioria de pessoas, não deveriam supervalorizar sua importância e ocupar os postos privilegiados. Pois as pessoas contam com vocês, esperam que vocês façam algo. Como, por exemplo, as crianças na escola esperavam que vocês iriam salvá-las, rezavam por sua ajuda. Mas elas tiveram que ficar no meio da operação militar – chacina. As crianças não conseguiram entender, porque os adultos as estão matando.

Diferentemente daqueles cidadãos da Rússia, cujas famílias ainda não foram tocadas pela tragedia, nós não entendemos como é possível, em tempos de paz, dentro de uma escola estatal, matar tantas pessoas inocentes? Nos explicam que é preciso manter a integridade da Rússia. E não importa qual é o preço, não importa quantas pessoas queridas morreram – a família inteira, a metade da família, ou uma única criança: nós não podemos fazer perguntas, pois as fazendo nos tornamos cúmplices de terroristas.

Afinal, que perguntas nós, os ingratos, podemos fazer? Em nossa cidade duas enormes escolas estão sendo construídas pelo governo, escolas incomparáveis por sua beleza até com as escolas de Moscou. E não lhes importa que não há mais em Beslan tantas crianças que pudessem preencher estas escolas.
10 de maio de 2005

Notas:
(1): Mídia da Rússia divulgava informações errôneas sobre a quantidade de reféns na escola, a diminuindo. Durante a operação militar, em 3 de setembro, quando ocorreu a maioria das mortes, o principal canal da TV russa passava a novela brasileira Laços de família. Os canais internacionais passavam ao vivo as imagens de Beslan.
(2): Terroristas entregaram a carta com as exigências, a principal das quais foi sobre a retirada das tropas do exército da FR da Chechênia. Estas exigências não foram divulgadas.
(3): A maioria de reféns morreu ou foi ferida em decorrência do incêndio que tomou o prédio da escola após as explosões. Durante a operação militar, em 3 de setembro, foi usado, pela Rússia, o armamento pesado que disparava contra o prédio.
(4):Único preso e processado pela tragedia de Beslan.
(5): Um dos terroristas ficava em vigia permanente do botão que ligava todos os explosivos depositados no prédio da escola.
(6): Alusão a uma frase de Pútin pronunciada após as explosões de prédios residenciais, em 1999.